Quem és?

No texto anterior abordamos as generalizações que o mundo a nossa volta nos impõe. Como se toda a imensidão que nos compõe pudesse ser reduzida apenas a respeito de com quem dormimos, para qual divindade oramos ou mesmo qual dispositivo usamos para nos comunicar e consumir informações. Veja que, embora estas características possam sim fazer parte de nosso ser, estão longe de individualmente nos definir.
Individualmente em coletivo
Somos seres coletivos e aqui não me distanciarei disso. Há um sem número de agremiações nas quais podemos nos relacionar. Integrantes destes grupos partilham semelhanças conosco, embora sejam indivíduos diferentes entre si. Mas teremos também características semelhantes com outras pessoas em grupos com os quais nem pensamos em fazer parte.
Há diversas maneiras de nos classificar, de coisas inerentes ao nosso ser, como gênero, à trivialidades, como cidade de nascimento. Há características que nos colocam em grandes grupos, assim como as que são mais diversas que deixam-nos em grupos menores. Sim, estás em vários deles simultaneamente.
Sob outra ótica, possivelmente somente tu estás nesta exata composição de diversos agrupamentos e classificados. E vou além: fora os grupos e características comuns a tantos outros, há muito mais aí dentro que só existe em ti.
Um mundo em ti
És uma vida única, na infinidade de possibilidades que é a composição de um ser. Há tantos aspectos que podemos explorar a fim de mapear nossa essência. Poderíamos passar anos e ainda estaríamos longe de um mapa completo, muito por estarmos sempre a mudar, a viver e conhecer novos mundos, que nos modifica um pouco a cada nova interação. Obviamente isto não nos impede de reparar no nosso próprio universo.
A começar por vosso corpo. Já o conhece bem? Comecemos pelo que vês: Olha a cor da tua pele, todas as manchas, sinais e cicatrizes. Sim, estou a falar do corpo todo. Que tal encarar o espelho sem vestes, e contemplar cada pedaço destas muralhas que guardam tudo o que há aí dentro?
Perceba como é seu rosto, a disposição de pelos e cabelo pelo corpo, inclusive aqueles mais finos. As proporções, simetrias e diferenças entre as diversas partes. Para além da vista, sinta as diferentes texturas ao longo do corpo e como sentes seu próprio toque em cada área. Com um ambiente mais calmo, podes até ouvir teu corpo a trabalhar a cada novo movimento. Sabes também qual é teu cheiro natural? Só até aqui, duvido que haja outra pessoa igual a ti.
Para dentro do corpo, como está a funcionar? Qual a sensação quando respira? Percebe tudo o que acontece aí dentro entre o inspirar e o expirar e a voltar a este ciclo? Dar a devida atenção às sensações internas, e ao acontecer de seus órgãos, além de te levar a um conhecimento mais amplo sobre ti, perceberás melhor quando algo não está a correr bem.
Para tanto, entenda o que acontece quando come e todo o processo envolvido. Atenta-te para o comportamento do teu corpo em todas as atividades e, caso puder, como vais dormir e quando acorda. Considerando tudo o que já destaquei, não há, nem houve, alguém igual a ti.
O universo da mente
Enquanto as possibilidades são limitadas quanto a todas as características físicas e comportamentos do corpo, o mesmo não se pode dizer quanto a como sentimos o mundo à nossa volta, nossos valores, conhecimento e opiniões sobre tudo.
Tua maneira de ouvir é única. O fenômeno auditivo em si é comum a toda a humanidade, mas a percepção do som, se é com atenção à musicalidade, se entende os tons mais agudos ou graves, ou mesmo se tu utilizas outros sentidos para sentir o som a fazer o ar vibrar.
Voltemos à nossa pele: o que é quente para ti pode não ser para outrem. Como sentes o ar que respiras, assim como todas as consequentes sensações que a inspiração de trás, é algo único e teu.
Mas é no campo dos pensamentos e ideias que entramos em um mundo à parte. Aqui reside um universo só teu. Quantos mundos existem aí dentro? Desde os mais parecidos com a realidade, onde o que muda são detalhes. “E se eu tivesse nascido em uma família afortunada?” ou “e se aquele evento traumático da minha infância não tivesse acontecido?” ou mesmo “e se nunca tivesse conhecido meu ex?” entre inúmeros outros mundos.
Mas estou certo de que, em algum momento da vida já imaginou “e se o céu fosse de outra cor?” eu ainda “como seria se meus vizinhos fossem alienígenas?”, como alguns exemplos um pouco mais distantes da realidade. Mas e aqueles mundos que só existem e fazem sentido aí dentro? Aquele para o qual vais ao fechar os olhos ouvindo música. Ou aquele refúgio com labaredas azuis ao lado de um lago cercado de pedras e vegetação que, para ti tem o nome de templo. Há aquele no qual não há mais nada, além de ti e a pessoa que ama, podendo fazer tudo que lhes apetece. E sim, esses mundos todos são teus, neste infinito universo.
Mundo à nossa maneira
Agora, mais próximo do mundo externo, no qual tu e eu vivemos e interagimos, há a percepção de como é este planeta e tudo o que ocorre nele. Embora o cosmos, o mundo, a física, a história e os fatos sejam os mesmos para toda a gente, cada indivíduo os interpreta consoante suas próprias crenças, conhecimento, interesses e acesso.
Suas crenças, independentemente de quais sejam, vão limitar ou ampliar sua aceitação natural ao que acontece, como reage e interage com outros indivíduos , além de servir de ponte, ou filtro, para o conhecimento.
Somente compreendemos a complexidade do mundo com o aprendizado, que acumulamos ao longo da vida. Compreender as coisas de natureza material e social só se dão com conhecimento: cada pessoa tem sua biblioteca pessoal, diferente de todas as outras, a depender de quais matérias do conhecimento cada indivíduo aplicou-se.
Dado o conhecimento observado atrás da lente das crenças (podendo ser expandido ou diminuído), ainda selecionamos ignorar ou focar em determinados temas. Podemos ter mais interesse pelas ciências, política, tecnologia, saúde, etc. Embora haja o conhecimento nas mais diversas áreas, ainda deixamos muitos temas fora de nosso campo de ação.
Ora, se na metáfora ótica ainda temos o interesse a mover a lente, ainda temos o filtro, para o qual cada indivíduo é capaz ou não de realizar sobre o mundo. Uma pessoa com daltonismo dificilmente saberá explicar a exuberância do vermelho. Se estiver em uma cadeira de rodas, terá uma visão do mundo distinta de quem pode mover-se livremente. Há quem nunca conhecerá a beleza de ouvir um bem-te-vi. Há quem não seja capaz de ler este texto, talvez ouví-lo por outros meios. Há quem não saiba o que é “amanhã”, pois sua maior preocupação é manter-se vivo hoje.
E há um quinto fator que, propositalmente, deixei para agora: sua história. Mesmo que tenhas nascido de uma gestação gemelar, não há ninguém que tenha vivido tua vida. Tua história também reflete a vossa percepção de mundo. Mas também a altera. Todas suas ações durante sua existência até aqui modificaram a sua história e a de quem está à tua volta.
Quem és?
Com tudo que descrevi até aqui, creio que, agora, tenhas instrumentos para que possas perceber quão único é vosso ser. Poderia dissertar por ainda inúmeros campos da personalidade para que viajemos profundamente em vossa identidade.
Sugiro que faças um exercício: releia o texto com algo para tomar notas e, a cada desenvolvimento, descreva-o. Ao chegar novamente neste ponto, descreve-se. No papel, digitalmente, como quiser. Utilize fotografias, gravações de tua voz, desenhos ou pinturas, músicas das quais goste, coma algo de bom sabor e aroma para ti. Use o que te fizer melhor sentido. Sejas o mais detalhista possível. Descreva também as coisas que não gosta, as que se arrepende e, principalmente, aquelas das quais não se orgulha, mas definitivamente fazem parte de ti. A transparência é fundamental aqui, mas tenhas carinho contigo: isto tudo é para a pessoa mais importante da vossa vida.
Garanto-te que não será fácil. Perceba que não há detalhe que te definas totalmente: somente com todas as características juntas é que tens um vislumbre de ti. Além disso, este manifesto mostra quão único é vosso ser. Ao menos como ele é hoje, por isso sugiro que guarde-o contigo e quiçá, daqui alguns anos, contemplarás como o teu universo terá expandido.
Sê gentil contigo. Oxalá tenhas uma perspectiva mais abrangente de ti, desde os átomos, aos girassóis até as estrelas.
Agora diz-me, quem és?

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